30 setembro 2025
Citizen Kane ou O Mundo a Seus Pés, de Orson Welles (1942)
Citizen Kane ou O Mundo a Seus Pés, de Orson Welles 1942, 119 min
Hollywood em ritmo morno (é a guerra). O. W. vem de Nova York precedido da fama da rádio e do teatro. Luz verde criativa. O resultado está a aí a durar pelo tempo fora. Uma história de poder pela comunicação. Os jornais entendidos como o Correio da Manhã. A fabricarem mentiras e a destruírem carreiras. Charles Foster Kane como W. Randolph Hearst. Este existiu e dominou a América por décadas. O. W. pagou caro a ousadia. Foi perseguido e Hollywood não mais lhe abriu as portas (ao longo dos anos conseguiu de vez em quando entrar pela porta das traseiras). Uma história em vaivém - flashbacks numa montagem espantosa. Como um puzzle. Rosebud é o enigma que impulsiona a ficção. Um trenó da infância talvez a única época em que ele foi feliz. Se D. W. Griffith foi nos anos 10 o criador da linguagem do cinema, O. W. foi fez com este filme o refinamento dela - campo/contracampo, plongé/contreplongé, montagem não linear. E a utilização do espaço na sua relação com os atores? Durante muitos anos o Citizen Kane foi considerado o melhor filme da história do cinema. Vale o que vale. Mas tem coisas espantosas. É o O. W. a fazer de Kane em várias fases da vida e convence-nos...É a enormidade do Palácio de Xanadu e o sentido do absurdo. O argumento foi uma parceria entre O. W. e Herman J. Mankiewicz. A história atualizada do cinema aponta para a autoria do segundo com uns toques do O. W. Mankiewicz era outro génio de Hollywood..., mas alcoólico, desregrado, lunático. Brilhante. Na Netflix há um filme sobre ele e O. W. sobre a produção do Citizen Kane, chamado Mank. Vale a pena.
Ver este filme é sempre um prazer renovado. Ver O. W. a representar, ouvir a sua voz poderosa, sentir o peso da sua imagem na tela.
E era um jovem..., mas com a idade de Shakespeare e a paixão por ele.
A Leste do Paraíso, de Elia Kazan (1954)
A Leste do Paraíso, de Elia Kazan. Com James Dean, Julie Harris, Raymond Massey, 1954, 118m
A Mulher que Viveu Duas Vezes, Alfred Hitchcock (1958)
A Dama de Xangai, de Orson Welles (1948)
A Dama de Xangai, de Orson Welles. Com Orson Welles, Rita Hayworth, Everett Sloane. 1948. 84 min
Orson Welles opus dois. Sem a luz verde do estúdio do primeiro filme, apesar dos bloqueios e resistências do sistema, construiu mais uma história como só ele conseguia. Drama de intriga e crime, mais complexo do que parece à primeira vista. Filme negro. Uma mulher fatal, enigmática, com um passado pouco claro. A China é uma referência. Um encontro para a morte. O personagem de O. W., aventureiro mas com sentido ético não resiste à beleza da Rita Hayworth, magnificamente exposta nas imagens do filme. Nada do que parece é, como aliás é mostrado metaforicamente na maravilhosa sequência final - os personagens frente a um jogo de espelhos numa feira abandonada. A distorção das imagens põe em dúvida o sentido do real. Num jogo de personagens qual delas a mais intrigante, a morte é imperial como na história dos tubarões que O. W. conta duas vezes. Uma espécie de interlúdio amoral na vida daquela personagem que tenta viver decentemente sem medo, ele que já correu mundo - Guerra Civil de Espanha, China, Brasil... Já agora, o universo da ficção também anda por espaços estranhos - México, Chinatown (S. Francisco) - como O. W. fez noutros filmes. Rita Hayworth que tinha sido casada com O. W. e era uma das estrelas rutilantes de Hollywood, apareceu no filme com um look totalmente diferente da sua imagem tipo. Foi um verdadeiro terramoto que Welles alimentava com a sua voz poderosa nos meios de comunicação social. Mesmo assim, o filme não foi na altura um sucesso. Felizmente foi recuperado pela história para nosso prazer. Prestem atenção à voz off de O. W. que vai contando o filme. Deixem-se envolver por aquela cadência mágica e acompanhar o pesadelo que o mergulha no medo e na morte. O seu personagem safou-se e ele afasta-se à procura da normalidade. A nós compete-nos fruir do prazer da ficção.
A Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock (1954)
A Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock. Com James Stewart, Grace Kelly, Raymond Burr. 1954. 115m
Operação Hitchcock. Capítulo 1. Aqui estamos nós agarrados à ficção acompanhando o voyeur Stewart. Fotógrafo profissional, com muito mundo nas pernas e na cabeça. Mas imobilizado com uma perna partida. A curiosidade profissional é substituída pela curiosidade lúdica - o mundo não está à mão (ao pé…) vai-se a ele através de binóculos. O mundo fica metamorfoseado no microcosmos da sua vizinhança. Múltiplas histórias, diversos comportamentos, usos e costumes. A imaginação à solta. Até que… Deixemos a história de lado. O suspense vai progredindo até às sequências finais. O universo Hitchcockiano vai-se adensado até ao vórtice final.
Pelo meio temos mais uma das grandes interpretações de James Stewart, um dos maiores atores da história do cinema. Há a sofisticada Grace Kelly antes de ir para o Mónaco representar uma personagem da realeza local. Notem o perfil ficcional da atriz. Limpíssima, elegantíssima. Intocável. O Hitchcock sabia-a toda. Na vida real a rapariga tinha uma vidinha amorosa pouco recomendável. Muitos livros o provam.
Notem que o nosso ponto de vista como espectador é sempre ditatorialmente imposto pelos binóculos do personagem. Nós vemos o que ele quer... em última instância o que o Hitchcock quer. Como imaginam é um dos filmes incontornáveis da história do cinema. Olhar e Ver. Nem sempre é a mesma coisa. É essa a tese do filme, como uns anos depois voltaria a ser a de Blow-up do Antonioni.
François Truffaut, que era um grande admirador do Hitchcock (com ele fez um grande livro-entrevista) escreveu: Não são horrores que James Stewart avista da sua janela, mas o espetáculo das fraquezas humanas. Nada mais certo. Para nosso prazer... cinéfilo.
A Sede do Mal, de Orson Welles (1958)
A Sede do Mal, de Orson Welles. Com Orson Welles, Charlton Weston, Janeth Leigh. 1958. 95m
Orson Welles capítulo 3. De vez em quando O. W. conseguia abrir umas brechas na fachada de Hollywood. Agora (1958) até conseguiu um ator do star system - Charlton Heston. Mais um filme enquadrável na categoria do género policial. Mas na essência um filme de reflexão existencialista - o bem e o mal, os homens e os valores, a ética… A fronteira entre os USA e o México. Dois polícias - um americano e um mexicano. Um assassinato e a história daí decorrente. Já naquela altura, a droga como pano de fundo. Depois uma ficção que seguimos, que nos leva a descobrir que o americano (O. W. claro) tem para trás uma história pouco edificante. Deixemos os pormenores ficcionais. Os primeiros minutos são um dos momentos mais espantosos da construção ficcional no cinema. Um plano sequência (não há cortes) de alguns minutos em que o espectador acompanha o casal num vaivém que nos permite perceber onde estamos e o que vai acontecer. Deslumbrante. Igualmente espantoso é a personagem de O. Welles, um detetive corrupto, cabotino, rasca..., mas tão humano (e frágil) na sua procura dos restos do seu passado. Não recuperáveis. Quem o diz é a sua antiga parceira amorosa, uma espécie de alma penada aquele mundo bizarro - Marlene Dietrich. Não tens futuro. Gastaste o teu futuro. Naquela terra de ninguém o sentido ético perde-se nos resíduos da vida. A justiça será feita, como é óbvio. A sequência final é absolutamente espantosa, tal como a cena dos espelhos do último filme que dele vimos. O personagem de O. W. mergulha literalmente na merda (mea culpa), afunda-se na porcaria que foi criando ao longo da sua vida. Como diz a Dietrich - He was some kind of a Man. Ah... Prestem atenção ao assassinato do lider da droga por Quinlan (o personagem de O. W.). Apreendam o sentido dramático ampliado pela música, que foi criada por... Henry Manciny. A pantera cor-de-rosa. Lembram-se? Já agora. A Janeth Leigh que faz de mulher do Charlton Heston viria a ser dois anos depois a mulher de Psico do Hitchcock... com a célebre sequência do assassinato. Para terminar. Charlton Heston. O grande ator das ficções bíblicas. Nesta altura era uma referência de Hollywood nas grandes lutas cívicas americanas - direitos civis dos negros, anti macCarthismo... terminou a vida no lado oposto. Se tivesse vivido mais uns anos era um trumpista miserável. Shit happens.
Esplendor na Relva, de Elia Kazan (1961)
Esplendor na Relva, de Elia Kazan. Com Natalie Wood, Warren Beatty, Pat Hingle. 1961. 124m
Último Kazan. Mais um belíssimo drama. Mais uma história da América profunda, que continua nos nossos dias se calhar ainda mais perversa e perturbadora se analisarmos o universo que apoia Trump. O bem e o mal. Os pobres e os ricos. As convenções sociais castradoras. A tensão sexual é o leit motiv. Entre o desejo e a repressão os personagens de Beatty e da Natalie não podem ser felizes. Não devemos. Não. Não...diz a menina, na verdade querendo. No fim cada um vai para o seu lado. É a vida. Pura e dura.
Kazan criou outro grande ator de cinema. Depois de Brando e Dean, agora Warren Beatty. Fez aqui o seu primeiro filme e Natalie Wood... Ah. Prestem atenção ao ator que faz de pai de Beatty - Pat Hingle. Daqueles atores que fizeram dezenas de filmes em papéis secundários... mas aqui absolutamente extraordinário.
Mais uma vez uma história de um dramaturgo de referência - William Inge. Foram feitos vários filmes a partir de peças teatrais dele: Bus stop com a M. Monroe ou Picnic do Joshua Logan são referências do cinema de Hollywood do fim dos anos 50.
Adeus ao Kazan, genial cineasta... mas traiu amigos e colaboradores no tempo do mccarthismo.
Como no filme do B. Wilder - Quanto mais quente melhor - Nobody is perfect. Muitos não lhe perdoaram a fraqueza.
À volta da meia noite, de Bertrand Tavernier (1986)
À volta da meia noite - Bertrand Tavernier. C/ Dexter Gordon, François Cluzet, Herbie Hancock. 2H13M. 1986 Fim dos anos 50. Dale Turner (Dex...
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As Horas, de Stephen Daldry. Com Meryl Streep, Julianne Moore, Nicole Kidman. 2002. 110m Da literatura para o cinema. O tempo está a avançar...
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As Neves de Kilimanjaro, de Henry King. Com Gregory Peck, Ava Gardner, Susan Hayward. 1952. 117m Ernest Hemingway. É sempre um prazer renova...
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A Leste do Paraíso, de Elia Kazan. Com James Dean, Julie Harris, Raymond Massey, 1954, 118m A seguir a T. Williams, John Steinbeck. Kazan es...