Comecemos pelo realizador. Depois
se perceberá melhor o filme. Max Ophuls. Realizador de múltiplas facetas e
diferentes línguas. Nascido na Alemanha,
francês por naturalização (fugiu à besta nazi por ser de origem judaica, apesar
do prestígio acumulado como jovem encenador nos grandes palcos alemães e
austríacos), deambulou pela Europa - França, Holanda, Itália, Suíça - até ao
limite. Em 1942, quando o cerco nazi o estrangulava, conseguiu safar-se para a
América com passagem (e estadia) em Lisboa.
Suportado pelo prestígio
acumulado na Europa e apoiado pelo argumentista e realizador Preston Sturges
(que belas e satíricas comédias sociais ele fez) entrou na máquina de sonhos de
Hollywood. Fez uns filmes, mas claramente em desajustamento no império dos
sonhos. Enquanto, por exemplo, Fritz Lang fez uma brilhante segunda carreira na
América, para Ophuls Hollywood foi um limbo, um tempo de passagem. Era talvez
demasiado marcado pela cultura do século
XIX do império austro-húngaro, pela sua identidade de mitteleuropeu.
Mas no vazio caem às vezes as
pepitas de ouro. Foi o caso deste filme. Considerado pelos anais do cinema um
dos mais belos melodramas, é uma história à maneira de um cineasta, da sua
identidade e das suas origens. A partir de um livro de Stefan Zweig, escritor
de Viena, também ele fugido ao nazismo (foi para o Brasil onde não aguentou o
exílio e se suicidou), é uma história intensa de amor (romantismo às avessas,
se se pode dizer). Amor, paixão e maldição.
E começa pelo fim. Longos
flashbacks. Uma mulher que se suicidou, mas antes escreve uma carta ao
equivocado objeto da sua funesta paixão. Depois vamos percebendo o que se
passou e apreendendo como naquele mundo de convenções e salamaleques tudo era
precário, tirando a paixão assolapada da heroína (é uma forma de dizer, o mais
correcto seria chamá-la de pateta). Amar sem ser amada. Amor absoluto versus
ausência de amor. A percepção do precipício e a incontrolável fuga para a
frente. Ele, jovem génio pianista, bem
falante e elegante perdeu-se no labirinto das aventuras amorosas sem
consequência; ela, obsessivamente apaixonada, sem qualquer sentido do real; um
marido decente, a essência do militarismo e da honra. Um filho (fruto do
pecado, na linguagem novelesca... ah ah ah) apanhado pela foice mortal do tifo.
Tudo começa e acaba num duelo entre os homens. O que acontecerá fica para a
nossa imaginação.
Depois da aventura americana, Max
Ophuls regressou à Europa em 1950 e, em cinco anos, fez quatro filmes que são
considerados obras-primas, particularmente o último, "Lola Montes".
Um filme incrível, no seu universo barroco, a partir da história real de uma
bailarina, actriz e cortesã do século XIX que foi amante de Liszt e de Luis I
da Baviera. Ophuls explora até aos limites
a féerie da câmara móvel, da elegância formal e das cores exuberantes em
atmosfera circense. Onírico.
François Truffaut, que naqueles
anos 50 aprendia cinema - i.e. vendo
filmes - na Cinemateca Francesa, uma espécie de catedral frequentada por todos
os jovens candidatos a cineastas, escreveu, e muito bem, que Ophuls - cineasta
de cabeceira para a nouvelle vague - era um cineasta balzaquiano.
Para terminar, permitam recorrer
a "The Film Enciclopedia" (Ephraim Katz) que assim descreve o cinema
de Ophuls, tão bem ilustrado no filme de hoje:
"A sua reputação como um dos
grandes realizadores do cinema decorre não propriamente do conteúdo dos seus
filmes, que era muitas vezes bastante frágil ou inconsistente, mas da sua
forma. Ophuls era um virtuoso do estilo de realização que enfatizava a
mise-en-scene. A sua câmera era incrivelmente fluída, movimentando-se
constantemente numa matriz de planos em movimento, planos de cima para baixo e
inversamente, ângulos estranhos, acariciando sensualmente a textura barroca
luxuriante do mundo intemporal em que os seus personagens românticos se
movimentam."
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