01 janeiro 2024

Frankenstein Junior de Mel Brooks

Com Gene Wilder, Peter Boyle, Marty Feldman, Terry Garr. 1974. 106 min

Comecemos pelo autor. Mel Brooks, na verdade Kelvin Kaminsky. O nome não engana. Judeu de origem polaca, mas nascido em Brooklyn. Woody Allen também é nome fake. Na origem é bem judeu - Allan Stewart Konigsberg. Isso de muitos actores e outros artistas americanos mudarem de nome não é assim tão neutral ou artificioso. Em muitos casos, como este, era por razões defensivas. Nome judaico? Não. A psicanálise ajudará eventualmente a esclarecer o imbróglio. 

Pois o Mel Brooks fez-se artista como escritor de sketches cómicos para televisão (tal como o Woody Allen) e músico. Deve-se-lhe a criação, juntamente com Buck Henry, da série televisiva cómica de grande sucesso - "Get Smart" (que também passou por cá).

Depois foram as suas aventuras no grande ecrã. Começou com sucesso. "O falhado amoroso" deu-lhe o Oscar do melhor argumento. Já aqui entrava o Gene Wilder, com os seus olhos esbugalhados, membro da pandilha de actores que foram fazendo os filmes do Mel Brooks.

A partir daí (1968), vai fazer um conjunto de filmes que definem a sua obra como um projeto alargado de filmes sobre filmes, ie. uma abordagem paródica, crítica, cínica, por vezes risível, de modelos do cinema clássico americano: o western, o horror, o policial, o épico histórico, a ficção científica, o filme mudo. É neste quadro que nasceu o projecto de "Frankenstein Junior" escrito a meias com o Gene Wilder que faz o papel do neto de Frankenstein.

"Frankenstein" foi um livro escrito por Mary Shelley, em Inglaterra no princípio do século XIX, e tornou-se um êxito como manifestação de um romantismo decadente, algo doentio. Hollywood no início do sonoro (1931) vai pegar no livro e transforma-o num sucesso. Boris Karloff, o actor, atinge o zénite. Depois, Hollywood foi explorando ao longo do tempo, de todas as formas e feitios, o personagem, a par e passo de Drácula  (também um êxito do mesmo ano, a partir de um livro de Bram Stocker -1897).

Pois em 1974 é a vez de Mel Brooks. O neto de Frankenstein, um jovem professor universitário neurocirurgião na América, recebe como herança do seu avô um castelo na Transilvânia (engraçado, é que esta região da Roménia, lá para os Cárpatos, está associada, isso sim, à lenda de Drácula). Vai lá, onde encontra um livro com os textos do avô sobre as suas experiências. A sua curiosidade científica vai lançá-lo num processo perigoso - criar vida a partir da morte. Vamos acompanhá-lo naquele universo barroco, onde a mística judaica e a cabalística se cruzam com a alquimia. Os seus companheiros

na aventura são bizarros, uma menina angélica, um corcunda mais feio que o Frankenstein, uma governanta perversa, etc.

Naquele processo alquímico a lógica é subertida, o excesso nem sempre respeita a verosimilhança. Mas isso interessa?

O gozo é muito neste filme a preto e branco, num estilo visual como se fosse feito nos heróicos anos 30 nos estúdios da Universal, que ganhou para si a identidade e o proveito deste género em Hollywood . Obviamente nesses longínquos tempos a Universal fez mais não sei quantos filmes a partir do original - a noiva de, o filho de, o fantasma de Frankenstein...e por aí fora.

Já agora... Nos anos 50 e 60, em Inglaterra produziram-se carradas de filmes deste universo bizarro. Christopher Lee foi a estrela de bastantes dráculas de dentes afiados e sotaque british.

Este tipo de filmes tem ao longo dos anos criado um imaginário rico que vem de muito de trás. A essência do cinema expressionista alemão das duas primeiras décadas do século XX, o gótico e o sobrenatural, são aqui muito bem reproduzidos. Filmes com "O gabinete do Dr. Caligari" , "O Golem" e "Nosferatu" são referências de topo da história do cinema.

Posto isto, preparemo-nos para acompanhar o Peter Boyle no corpo do homúnculo naquele universo bizarro, mas tudo com bonomia, num filme que é considerado uma das grandes comédias da história do cinema.

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