30 setembro 2025

A Mulher que Viveu Duas Vezes, Alfred Hitchcock (1958)


A Mulher que Viveu Duas Vezes, Alfred Hitchcock. Com James Stewart, Kim Novak, Barbara Bel Geddes. 1958, 124 min

A semana passada saímos com o James Stewart coxo das duas pernas e entramos com ele acrófobo, com vertigens, medo das alturas. S. Francisco no esplendor das suas avenidas a subir e a descer, com Alcatraz lá ao fundo e a ponte avó da nossa aqui de Lisboa. Duas mulheres que é só uma mulher e um pobre detetive reformado com medo das alturas e com problemas de consciência que se apaixona por ela(s). Complicado? Com Hitchcock as coisas nunca eram simplistas. Há que seguir a(s) história(s) com toda a atenção. E os detalhes. A câmara vai-nos dando informação privilegiada (exemplos: os caracóis do cabelo da mulher, o ramo de flores). A meio nós sabemos o que aconteceu, mas a mulher não. A partir daí é todo um processo de aproximação ao topo (em sentido real - é na torre de um convento que tudo acontece duas vezes). A morte como categoria epistemológica atravessa toda a ficção. Ao libertar-se daquela mulher...O homem liberta-se também da acrofobia. Ou não? O último plano é subjetivo como muitas situações ao longo do filme. Tudo aponta para que o personagem não vá ter uma vida boa. Ah... Ironia das ironias. Quem acabou por matar (em sentido figurado, claro) a mulher foi uma freira. Vingança sob a forma de justiça divina. O velho Hitchcock sabia-a toda. Sonho e pesadelo. Uns pozinhos de psicanálise e a inverosimilhança a pairar sem nunca resvalar. Esta era a mestria do Hitchcock que, mais uma vez, aparece a atravessar o ecrã com um saco (uma arma? Um instrumento musical?). E a música? Componente dramática por excelência desde a primeira sequência. Sem darmos por isso somos completamente manipulados pelos sons. Bernard Hermann fez a banda sonora para 9 filmes do Hitch, incluindo obviamente o Psico. Mais tarde foi recuperado pelo Scorsese e fez Taxi Driver. Já agora, o genérico. Prestem atenção. Toda a essência da ficção está já no minuto inicial. Saul Brass foi o mestre. Grande designer gráfico. A ele deve o cinema muitas pequenas obras-primas - Otto Preminger, Hitchcock, Robert Aldrich, Billy Wilder foram alguns dos cineastas que contaram com a sua criatividade. Mais tarde Scorsese (mais uma vez ele) foi buscar o velhinho para vários filmes, nomeadamente para Casino. Em 2012 um inquérito especializado do British Film Institute com a colaboração da revista Sight and Sound considerou este filme o melhor da história. Anteriormente tinha sido o Citizen Kane. As coisas são o que são. Sempre relativas. Lembremo-nos da ficção que vamos ver.

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