25 outubro 2025
Os Incorruptíveis Contra a Droga ("The French Connection"), de William Friedkin (1971)
Citação: "Os Incorruptíveis Contra a Droga (The French Connection) é um brilhante policial, no qual Gene Hackman é o infatigável Jimmy 'Popeye' Doyle, polícia que odeia figadalmente os traficantes de droga.
Na noite dos Óscares, este filme tornou-se inesquecível para o próprio Hackman, consagrado como melhor ator, bem como para o próprio realizador William Friedkin, talvez mais célebre por ter feito O Exorcista (The Exorcist, 1973), que também levou para casa o tão apreciado boneco dourado."
Um bilhete de identidade do filme e pano para mangas sobre o realizador.
William Friedkin, um percurso mais ou menos normal nos anos 60 e 70. Do pequeno ecrã para o grande ecrã. Ganhou tarimba durante uns anos numa estação de televisão local da cidade onde nasceu, Chicago. Começou com um filme veículo para o par musical Sonny e Cher, cuja música traz certamente boas memórias para muitos de nós.
Foi fazendo uns filmes pouco notados e em 1971 acerta na mouche. "Os Incorruptíveis Contra a Droga". Cinco Óscares e a consagração. E as coisas continuaram a correr-lhe bem. O filme seguinte foi nem mais nem menos "O Exorcista". Demónio. Possessão. Sobrenatural. Terror. Usando como matriz um caso paranormal avalizado pela igreja católica americana, fez sucesso comercial mundial enorme, um blockbuster, servido por grandes atores - Ellen Burstyn ( no ano a seguir ganhou o Óscar com o filme de Martin Scorsese "Alice já não mora aqui") e Max Von Sydow que fez alguns dos filmes de referência de Ingmar Bergman. De então para cá já houve não sei quantas continuações, remakes, variantes, etc. e tal.
William Friedkin não tem uma obra muito extensa até porque, a partir de uma certa altura, dispersou-se, apostou na encenação de espetáculos operáticos com sucesso. Mas pessoalmente penso que há outros dois filmes dele que merecem a pena.
Em 1977 fez "O comboio do medo", um remake de um dos grandes filmes franceses dos anos 50, "O salário do medo" de Henry-George Clouzot. Uma história brilhante sobre o transporte de uma carga de nitroglicerina por um longo trajeto acidentado, algures na América do Sul. Yves Montand num papel incrível de luta constante contra a morte. Ao mínimo descuido, a catástrofe.
Pois vinte e tal anos depois William Friedkin pegou na mesma ficção (um romance francês do início da década de 50) e fez um filme muito interessante.
O outro filme que aqui destaco é "A Caça" de 1980. Al Pacino faz um dos melhores papéis da sua carreira, na minha opinião, numa matriz policial nos meios homossexuais sado-masoquistas. Um serial killer à solta, um polícia obcecado, gradualmente a afundar-se na confusão de valores, crenças e identidade sexual. Na altura, o filme foi fortemente atacado pelas comunidades gay (ia demasiado ao fundo, abria demasiadas janelas, expunha demais), mas gradualmente tem estado a ser recuperado na memória cinematográfica. Um dia hei-de revê-lo.
Voltemos ao filme e completemos o seu bilhete de identidade.
Nova York. Uma equipa de detectives - Popeye Doyle (Gene Hackman) e Buddy Russo (Roy Scheider) procuram interceptar uma rede de narcotráfico, a designada French Connection, com o centro decisional em Marselha. No perigoso jogo do gato e do rato, pelas avenidas, ruas e becos de Nova York um dos criminosos tenta eliminar Doyle. A partir daí o polícia bom quanto baste mas com princípios e regras um bocado fluídos, à sua maneira, liberta o estado selvagem da sua alma. Entra numa espiral de violência.
Baseado em factos e personagens reais, é um filme másculo, entre o suspense e a ação. Nada impede aquela missão "sagrada" de Doyle. Num dos cartazes de publicidade do filme estava escrito: "Doyle is bad news - but a good cop". À maneira dele, claro. Não há sentidos proibidos. Aquela perseguição automóvel, grande manifesto de exibicionismo cinematográfico, é assim uma espécie de exaltação. Como se fosse um grande chuto. Uma explosão de energia reprimida.
Nova York é o espaço entrópico por excelência. Desordenado, caótico. Os personagens circulam, vigiam-se, reconhecem-se, controlam-se. Cidade suja, desordenada, mas próxima dos personagens, às vezes como um grande quadro expressionista.
Gene Hackman. Toda a energia da ficção nele absorvida. O seu detective Doyle porta consigo a missão do bem, mesmo que por vias tortuosas. Todo ele exposto na essência das suas imperfeições. Óscar para melhor ator. Mais do que merecido para um ator que já começou tarde, estava longe do modelo de galã, mas era fabuloso, mesmo em papéis secundários.
Tinha 95 anos, estava retirado já há uns bons anos, sofria de Alzheimer e fomos surpreendidos pela sua morte algo estranha. Em 26 de Fevereiro ele e a mulher foram encontrados sem vida na casa que partilhavam no Novo México. Terá morrido de insuficiência cardíaca.
E Fernando Rey. A sua personagem é o líder da rede europeia da droga. De Marselha a Nova York, o requinte comportamental, a inteligência prática, o sentido de humor. Desapareceu e nunca foi condenado. Lembre-se que foi um dos atores de referência de Luís Buñuel, com quem fez filmes da nossa memória como "Tristana", "Viridiana", "Este obscuro objeto do desejo" ou "O charme discreto da burguesia".
Com este filme prestemos uma pequena homenagem ao enorme talento de Gene Hackman. Paz à sua alma.
19 outubro 2025
As Vinhas da Ira, de John Ford (1940)
"As Vinhas da Ira" - John Ford. C/ Henry Fonda, Jane Darwell, John Carradine. 1940. 123m
Um livro, um escritor. Um filme, um realizador. John Steinbeck, Prémio Nobel da Literatura (1962). Com este romance (1939) venceu o Pulitzer e ganhou uma enorme visibilidade no panorama social e político da América em crise profunda. John Ford, a essência do cinema em muitas e diversificadas obras-primas, em mais de cinquenta anos de filmes, do mudo ao sonoro.Fez parte do pequeno grupo de grandes cineastas que começou no cinema mudo e continuou em registo elevado no cinema sonoro. Deixou para a história para aí uma dúzia de obras imorredouras.
Mais três nomes incontornáveis que fizeram percurso similar com sucesso: Howard Hawks, Raoul Walsh (tal como Ford, zarolho, como Fritz Lang, fugido aos nazis e, já agora, como Nicholas Ray, mais para a frente) e Cecil B. De Mille. Não houve muitos mais.
"As Vinhas da Ira" é uma dessas obras, que ainda agora nos dá o prazer do grande cinema.
Anos 30. Após ter estado preso por homicídio involuntário, Tom Joad (Henry Fonda) regressa a casa no estado de Oklahoma na altura da grande crise climática que durante anos afectou uma parte importante do interior da América. A grande depressão. A ganância dos bancos, associada aos interesses de grandes grupos agrícolas, contribuiu para o resto. Sem possibilidade de sobrevivência, milhares e milhares de famílias abandonam aqueles lugares onde viviam há gerações e vão à procura da terra prometida (a conotação bíblica atravessa toda a ficção). Califórnia é o destino. De lá chegavam aos "nickelodeons" e aos ecrãs espalhados pela América, os sonhos, os desejos e as fantasias inimagináveis com o Rodolpho Valentino ou a Mary Pickford, o Douglas Fairbanks ou a Gloria Swanson, fabricados por Hollywood.
Mas, como sempre, a realidade é mais dura que a imaginação. A viagem é difícil, os incidentes são múltiplos, morrem pessoas. A família Joad luta unida, em torno de Ma Joad (Jane Darwell, extraordinária personagem, agregadora da família), alimenta a esperança de dias melhores, mas… como é óbvio, não há terra prometida.
John Steinbeck criou com este livro um dos retratos mais espantosos e dramáticos da luta do homem contra os obstáculos, naturais e sociais, da sua resistência e do seu orgulho. Toda a sua obra, com um discurso linear e objetivo continua a ser importante. Felizmente tem sido reeditada pelos "Livros do Brasil".
Steinbeck teve sorte com Hollywood. John Ford nessa altura já possuía um currículo cheio de coisas boas. Tinha começado lá no fundo, pau para toda a obra, apoiando um irmão mais velho que era realizador, nos tempos de afirmação e consolidação dos estúdios e em que o cinema procurava identidade artística, e em 1917 começou ele a fazer filmes.
Fez muitas coboiadas (já velhote identificava-se assim: "I am John Ford, I make westerns"), muitos outros géneros (o habitual, histórias para entreter o povinho, dramas, comédias, polícias e ladrões) e foi criando gradualmente uma imagem de grande competência e eficácia. Já com o sonoro bem estabelecido, em 1935, ganha Óscares com um filme sobre a Irlanda, país que será uma referência para ele até ao fim da vida. Era filho de irlandeses e disso se orgulhava. Fez alguns filmes na Irlanda, nomeadamente o que lhe deu os últimos Óscares - "O homem tranquilo".
John Ford foi criando a sua própria lenda no star system de Hollywood. Era um personagem bizarro, controverso, sádico, com fúrias lendárias. Tinha o seu grupo privilegiado de atores e colaboradores sem fazer distinções entre as estrelas Henry Fonda, James Stewart ou John Wayne e outros pequenos atores, amigos, que o acompanharam décadas entre simples figurações e umas linhas de diálogo. Tinha as suas próprias regras do jogo e poder no sistema para as impor. Era uma mistura estranha de conservador e democrata. Queixava-se dos excessos de Hollywood, demasiado sexo e violência. Na essência era um individualista empedernido, que dizia: "A verdade da minha vida é cá comigo e não se metam nisso."
Antes de fazer "As Vinhas da Ira", fez "Cavalgada Heroica" (1939), um clássico inquestionável que pôs no imaginário do espectador de cinema o John Wayne, em certo sentido uma "criação" do John Ford que, ao longo do tempo, o iria utilizar em múltiplas obras-primas. Lembremos algumas: "Homens para Queimar" (1945), "Forte Apache" (1948), "Os dominadores" (1949), "Rio Grande" (1950), "O homem tranquilo" (1952), "A Desaparecida" (1956), "O homem que matou Liberty Valance" (1962), "A taberna do irlandês" (1963).
Fiquemos por aqui e voltemos a "As Vinhas da Ira". Darryl Zanuck, o histórico produtor de Hollywood, comprou os direitos de autor do livro e pôs a máquina do estúdio a funcionar. Aparentemente o filme não era para ser feito por Ford, mas acabou por lhe ir parar às mãos. "Tudo aquilo me agradou - ser sobre pessoas simples - e a história era similar à fome na Irlanda, quando tiraram as terras às pessoas e as deixaram a vaguear nas ruas e a morrer à fome", disse ele mais tarde.
Daqui resultou um dos vértices da filmografia de Ford, mas há tantos. Claramente um Ford engagé, socialmente comprometido, como logo a seguir com "A estrada do Tabaco", a partir de Erskine Caldwell. Nesses anos teve Óscares com "As Vinhas da Ira" e "O Vale era Verde".
Andrew Sarris, um crítico e analista privilegiado do cinema americano, (cúmplice militante dos Cahiers du Cinéma franceses, nos anos 60, na defesa da teoria do autor - atribuir ao realizador a essência do filme) sintetizou bem John Ford: "Nenhum outro cineasta americano tem uma visão tão vasta da paisagem do passado da América, dos mundos de Lincoln, Lee, Twain e O'Neil, das três grandes guerras, do westerns e das migrações transatlânticas, dos índios sem cavalos do vale de Mohawk e das cavalgadas dos Sioux e dos Comanches do Oeste, das incursões irlandesas e espanholas e da política em equilíbrio instável das cidades poliglotas e dos estados fronteiriços."
Se Andrew Sarris foi tão eloquente na definição do universo fordiano, que dizer do enorme Orson Welles que, quando lhe perguntaram quais os cineastas americanos que mais o atraíram e influenciaram, a sua resposta (uma boutade, certamente enunciada com a voz profunda e colocada como se fosse uma tirada shakespeariana) teve o sentido redundante do absoluto: "Os velhos mestres. Isto é: John Ford, John Ford e John Ford."
Faz parte dos livros que quando o jovem Orson Welles (vindo do teatro e da rádio) estava a preparar o "O Mundo a Seus Pés", viu vezes sem conta a "Cavalgada Heroica", onde disse tudo ter aprendido sobre cinema. Aprendeu magnificamente.
Este filme de John Ford, apesar das décadas de idade, ainda tem o condão de nos posicionar no lado certo dos valores do homem. Aquele desabafo final do personagem do Henry Fonda (antes de fugir) para a mãe é forte.
Mas não nos iludamos. Os netos daqueles personagens que ficaram no Oklahoma e nos outros estados vizinhos foram os que puseram Trump no poder e são atualmente os seus grandes sustentáculos.
12 outubro 2025
Roma Cidade Aberta, de Roberto Rossellini (1945)
"Roma Cidade Aberta" - Roberto Rossellini. C/ Anna Magnani, Aldo Fabrizi, Marcello Pagliero. 98 M. 1945.
05 outubro 2025
O Leopardo, de Luchino Visconti (1963)
"O Leopardo" - Luchino Visconti. C/Burt Lancaster, Alain Delon, Claudia Cardinale. 178 M. 1963.
À volta da meia noite, de Bertrand Tavernier (1986)
À volta da meia noite - Bertrand Tavernier. C/ Dexter Gordon, François Cluzet, Herbie Hancock. 2H13M. 1986 Fim dos anos 50. Dale Turner (Dex...
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As Horas, de Stephen Daldry. Com Meryl Streep, Julianne Moore, Nicole Kidman. 2002. 110m Da literatura para o cinema. O tempo está a avançar...
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