01 janeiro 2024

O cabo do medo, de Martin Scorsese (1991)

Com Robert de Niro, Nick Nolte, Jessica Lange. 1991. 128 min

Scorsese e Spielberg. Do outro lado o estúdio Universal. "O Cabo do Medo" estava atribuído a Spielberg e "A Lista de Schindler" a Scorsese. Mas o mundo de Hollywood tem muitas atribulações e tudo acabou da melhor forma possível para os amantes do cinema. E de que maneira!... Neste caso mais um grande projecto para o De Niro numa história terrível, densa e arrepiante. Um psicopata, abjecto e exibicionista liberto da prisão onde passou 14 anos procura o advogado que o defendeu mal (ocultação de provas) e procura a vingança. Ninguém escapa à sua acção psicótica, à sua verdade, à sua justiça. O personagem carrega com ele todo um programa sob a forma de tatuagens. O seu corpo é a sua mensagem. Tal como no início as paredes da sua cela indiciam o que vem aí. Tentem ver atentamente... A verdade e a justiça que ele procura - e também a redenção - estão gravados na sua pele. E a Bíblia como aval. A forma da ficção, como se fosse um thriller clássico dos anos 40 ou 50, é a matriz da enunciação de uma história que cava mais fundo, indo até à essência do ser humano, dos seus medos e fantasmas. Como diz o Cady (De Niro): "Ninguém escapa aos seus demónios" . Na luta final num barco à deriva, a loucura atinge o seu auge e vemos Cady na água entoando uma lengalenga numa língua estranha. Será que dialoga com os seus demónios e eles o acolherão, a ele que diz que vai para a terra prometida? Ou sobreviveu e anda por cá a atormentar-nos?

A intensidade dramática é espantosa. A duplicidade de sentidos e significados vai baralhando as leituras. Os limites  das fronteiras entre o bem e o mal vão-se baralhando. Os limiares da ética são difusos.

Apesar de Scorsese ter apontado algumas resistências para aceitar fazer o filme, acredito que lhe terá dado um prazer especial porque é um "remake" de um filme de 1962 de um género de que ele, como cinéfilo, adora. A versão original foi feita por um cineasta de referência em Hollywood, J. Lee Thompson, que fez por exemplo "Os Canhões de Navarone" e "As Minas de Salomão". Scorsese homenageou a primeira versão do filme convidando para pequenos papéis os dois actores principais, Robert Mitchum e Gregory Peck.

Há que estar atentos a todos os pormenores. Scorsese não  nos deixa descansar. Temos que estar em alerta contínuo porque o medo impregna-se. Resistamos-lhe, mas sejamos cúmplices com o jogo dramático que o Scorsese manipula como um mestre.

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