01 janeiro 2024

O touro enraivecido, de Martin Scorsese (1980)

Com Robert de Niro, Joe Pesci, Cathy Moriarty. 1980. 123 min

Martin Scorsese no seu melhor. Uma história real de um personagem vivo. O universo italiano importado há duas ou três gerações para a América. O catolicismo em todas as referências mesmo que só à superfície. O pugilismo como modo de afirmação e poder nas franjas do proletariado da grande New York (Bronx).

Mas quem puxou pela carroça foi o De Niro. Fascinado pelo livro de memórias do pugilista Jake La Motta, o actor conseguiu convencer o amigo a entrar no projecto. Uns anos antes tinham atingido os píncaros com "Taxi Driver" e no ano anterior tinham-se espalhado ao comprido com "New York, New York" (injustamente devo dizer, e a história acredito me dará razão). O Scorsese, com o desgosto e com excesso de cocaína, barbitúricos e outros produtos não recomendáveis, tinha ido parar ao hospital. Mas lá se conseguiu safar e meteu-se até ao tutano no projecto. Mas com dúvidas existenciais. É ele que o escreve: A ideia era fazer um filme o mais sincero possível, sem nenhum compromisso com o "box-office" ou o público. Disse para mim: acabou. A minha carreira terminou. Acabou. É o último". Felizmente não foi assim. O Scorsese continua ainda e sempre a surpreender-nos, para nosso íntimo e intelectual prazer. O resultado foi absolutamente ímpar. A ascensão e queda de um pugilista e do homem que ele era. Um processo de auto-destruição aterrador. Um homem obcecado, orgulhoso, machista, ciumento. Um personagem que se torna patético. Atingiu o sonho americano e destruiu tudo o que conquistou. Termina como  "entertainer" em clubes e cabarés contando umas anedotas porcas e apalpando umas meninas patetas. Tudo isto é contado com imagens espantosas:  as sequências de boxe nos ringues (a linguagem está nos corpos, diz o Scorsese), o interlúdio colorido (Scorsese filmou a preto e branco) de passagem do tempo, casamentos, filhos, como se fossem uns filmezinhos caseiros,  as sequências dos cabarets.... É um não mais acabar. Há que ver com atenção todos os requintes. A montagem, por exemplo. Thelma Schoonmaker, apenas um nome. Mas importante. Ela é a outra parte da parceria criativa com o Scorsese. Há 50 anos que monta os filmes dele. Ganhou três Oscares e o primeiro foi precisamente com O Touro Enraivecido.

E os actores? Robert De Niro ganhou o Oscar, está tudo dito. Mas Joe Pesci não merecia também?

Neste filme, onde a iconografia do corpo é a matriz essencial, em última instância o que se procura é a redenção, o combate com os demónios. Será surpreendente que a ficção termine com uma citação dos Evangelhos? Jake la Motta. Paz à sua alma. Apesar de tantos murros recebidos - reais e figurados - acabou por ter uma vida muito longa.

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