Martin Scorsese no seu
melhor. Uma história real de um personagem vivo. O universo italiano importado
há duas ou três gerações para a América. O catolicismo em todas as referências
mesmo que só à superfície. O pugilismo como modo de afirmação e poder nas
franjas do proletariado da grande New York (Bronx).
Mas quem puxou pela carroça foi o
De Niro. Fascinado pelo livro de memórias do pugilista Jake La Motta, o actor
conseguiu convencer o amigo a entrar no projecto. Uns anos antes tinham
atingido os píncaros com "Taxi Driver" e no ano anterior tinham-se
espalhado ao comprido com "New York, New York" (injustamente devo
dizer, e a história acredito me dará razão). O Scorsese, com o desgosto e com
excesso de cocaína, barbitúricos e outros produtos não recomendáveis, tinha ido
parar ao hospital. Mas lá se conseguiu safar e meteu-se até ao tutano no
projecto. Mas com dúvidas existenciais. É ele que o escreve: A ideia era fazer
um filme o mais sincero possível, sem nenhum compromisso com o
"box-office" ou o público. Disse para mim: acabou. A minha carreira
terminou. Acabou. É o último". Felizmente não foi assim. O Scorsese
continua ainda e sempre a surpreender-nos, para nosso íntimo e intelectual
prazer. O resultado foi absolutamente ímpar. A ascensão e queda de um pugilista
e do homem que ele era. Um processo de auto-destruição aterrador. Um homem
obcecado, orgulhoso, machista, ciumento. Um personagem que se torna patético.
Atingiu o sonho americano e destruiu tudo o que conquistou. Termina como "entertainer" em clubes e cabarés
contando umas anedotas porcas e apalpando umas meninas patetas. Tudo isto é
contado com imagens espantosas: as
sequências de boxe nos ringues (a linguagem está nos corpos, diz o Scorsese), o
interlúdio colorido (Scorsese filmou a preto e branco) de passagem do tempo,
casamentos, filhos, como se fossem uns filmezinhos caseiros, as sequências dos cabarets.... É um não mais
acabar. Há que ver com atenção todos os requintes. A montagem, por exemplo.
Thelma Schoonmaker, apenas um nome. Mas importante. Ela é a outra parte da
parceria criativa com o Scorsese. Há 50 anos que monta os filmes dele. Ganhou
três Oscares e o primeiro foi precisamente com O Touro Enraivecido.
E os actores? Robert De Niro
ganhou o Oscar, está tudo dito. Mas Joe Pesci não merecia também?
Neste filme, onde a iconografia
do corpo é a matriz essencial, em última instância o que se procura é a
redenção, o combate com os demónios. Será surpreendente que a ficção termine
com uma citação dos Evangelhos? Jake la Motta. Paz à sua alma. Apesar de tantos
murros recebidos - reais e figurados - acabou por ter uma vida muito
longa.
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