01 janeiro 2024

As Pontes de Madison County, de Clint Eastwood (1995)

Com Clint Eastwood, Meryl Streep. 1995. 135 min

Encontro abençoado entre duas das referências incontornáveis do cinema americano das últimas décadas.

Uma história de quatro dias de mútua atração e êxtase entre duas pessoas com mundos e vivências muito diferentes.

Verão de 1965. Uma mulher num rancho, casada, com dois filhos, algures no Estado do Iowa (centro/oeste dos EUA entre os rios Missouri e Mississippi). Francesca de seu nome, nascida em Itália. Trazida para os EUA pelo marido, soldado americano na Segunda Guerra Mundial. Tem o mundo truncado pela continuidade indefinida das searas de trigo e dos campos de milho e pelo ritmo anual das colheitas.

Um homem que chega. Fotógrafo profissional da National Geographic. Vai fazer uma reportagem sobre as pontes cobertas em madeira que fazem parte daquele universo rural desde o século XVIII. Robert é o seu nome e tem muito mundo na sua vida.

Do encontro acidental à paixão tórrida foi uma questão de horas. Quatro dias depois tudo estava acabado , como se fosse a canção do Chico Buarque... e tudo acabou na quarta-feira. Mas não. A memória. As recordações. Os sonhos. Tudo isso perdurou no coração dela até ao momento final da sua vida. É disso que é feita esta história contada em flashback através da leitura dos diários deixados pela Francesca aos dois filhos.

Naqueles quatro dias em que o marido e os dois filhos se ausentaram para irem a uma feira agrícola, aquela mulher que tinha uma vida decente, equilibrada, programada pelos usos e costumes lá da terra, como que sai de si. A Itália perdida da sua juventude. Os interesses culturais (a ópera, os blues, a literatura). O corpo mais ou menos entorpecido a ressuscitar o desejo.

À medida que os filhos vão lendo os diários (ambos refletindo as limitações da sua educação naquele universo fechado) vão aceitando a evidência dos factos. A mãe tinha vivido aquilo. Choque e admiração. Da intransigência à aceitação. Cada um deles percebe (mas se calhar nada vai acontecer) que eles próprios têm que agitar os seus quadros de vida familiar, que sabemos não serem nada bons.

Obviamente que a Francesca não foi ter com o Robert. Não era louca. Não teve coragem. Como ela dizia, receava as mudanças.

Retomou a normalidade do dia a dia. Ficou com as memórias e os sonhos. Nós ficamos com uma história belíssima contada a um ritmo lento, pausado, próprio daqueles sítios em que quase nada acontece.

A Streep e o Eastwood dão-nos uma lição de representação e cinema. A contenção dela naquele processo de revivificação e a normalidade daquele fotógrafo que ali encontra o que no fundo de si procurava há décadas. Cinema de excelência na melhor tradição dos clássicos. Quarenta anos antes e esta história poderia ter sido filmada pelo John Ford. Querem melhor elogio?

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