O cinema mudo
já era. O sonoro ocupa o espaço todo,
com uma frincha de resistência protagonizada por um grande de Hollywood e do
imaginário cinematográfico ainda em construção. Charlie Chaplin fez o filme
contra a corrente. Manteve o seu personagem vagabundo sem voz (com a excepção
de uma canção - pela primeira vez ouvimos a voz do actor, mas subvertendo os
códigos da linguagem, pois canta uma misturada de palavras sem sentido), mas
criou uma banda sonora expressionista, de grande eficácia dramática. A música
quase como personagem. E lá encontramos o "Smile" essa melodia
belíssima que ainda hoje, sob a forma de direitos de autor, deve valer muito
dinheiro aos herdeiros do Chaplin.
O filme é uma
pedra preciosa do cinema. Uma personagem à deriva num quadro social de forte
perturbação, a depressão dos anos 30 na América . Acontecem-lhe mil coisas de
que se vai safando com a agilidade e elegância do Charlot. Conflitos. Polícia,
manicómio, orfanato, prisão. O habitual, se nos lembrarmos dos filmes mudos que
víamos na televisão quando éramos menos velhos.
E a fábrica.
O vagabundo nas reentrâncias mais profundas do capitalismo. A fábrica como
metáfora social. "1984" do George Orwell avant la lettre. O modo de
produção industrial como um sistema totalitário. O Big Brother vigia o sistema
de produção em cadeia com ecrãs e controla rigorosamente todos os movimentos.
Excepto um, obviamente. Chaplin criou algumas das sequências mais espantosas na
história do cinema. O personagem a ser engolido pelas engrenagens industriais.
Os automatismos industriais das chaves-inglesas a serem transmitidos ao corpo
do vagabundo. O caos em polifonia. O nonsense à solta.
Paralelamente
a história romântica. O vagabundo e a jovem. Paulette Godard um belo rosto, que
fez uma óptima carreia em Hollywood nas décadas seguintes. Encontros e
desencontros e...no fim uma hipótese de felicidade. Se calhar não passará de um
sonho a dois.
Franz Kafka,
o grande escritor das angústias do
Século XX, escreveu sobre Charlie Chaplin: "Como todo o autêntico
humorista, tem a dentição de uma fera. É com ela que se lança contra o
mundo."
Na verdade,
sofreu durante décadas a amargura da perseguição política pelo FBI, acusado de
comunista, ele que apenas tinha um elevado respeito pelos homens e um sentido
de justiça social.
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